Quando se tem só um filho, a pergunta “quem é que deixou os brinquedos aqui todos espalhados?” é redundante; só há um culpado. A não ser que o pai tenha andado a brincar com aquela tralha toda, às escondidas.
Quando se tem mais que um filho, sabemos qual é que foi, mas fazemos a pergunta na mesma à espera que o dito se acuse ou haja um filho bufo que diga “foi ele”. No fim, acabam todos a arrumar, porque a mãe é que manda.
Quando se tem só um filho sabemos sempre quem é que se está a meter na nossa cama a meio da noite.
Quando se tem mais que um filho perguntamos “tu és qual?” àquele que está ali a querer deitar-se ao nosso lado.
Quando se tem só um filho, compramos roupinhas a fazer conjuntinho, mesmo que seja nas lojas baratas, trocamos a roupa a cada micro-nódoa, passamos tudo a ferro e temos roupa guardada no armário para aquela ocasião especial que depois, nesse tal dia, já não serve. Quando temos mais filhos, tudo faz conjunto e só evitamos conjugar amarelo com castanho, compramos roupa só em lojas baratas, só mudamos a roupa com vomitado ou cócó, para as datas especiais vestem a roupa que esteja mais ou menos, que não esteja rota ou muito desbotada, aprendemos a dobrar roupa logo que sai do estendal e só passamos a ferro o que estiver mesmo muito engelhadinho.
Quando se tem só um filho, temos a manta para o ovo, a fralda com o nome para tapar do sol, o porta documentos a condizer com a mala de maternidade.
Quando se tem mais que um filho, cobrem-se com o que estiver mais à mão, o casaco da mãe ou a manta dos piqueniques, tapamos o sol com um pano qualquer, passamos a usar mochila para ter as mãos livres e guardamos os documentos num envelope de plástico ou naquela oferta foleira que vinha com os cremes para o rabo.
Quando só temos um filho, telefonamos ao médico a cada espirro, tosse ou pintinha no corpo.
Quando temos mais que um filho, pensamos que percebemos tanto quanto os médicos e sabemos identificar todos os sintomas, mas no fim acabamos na mesma por telefonar ou ir ao médico, porque o número de filhos não nos vacina para o medo.
Quando temos só um filho, esperamos que ninguém toque à campainha e o acorde, saímos de fininho do quarto e controlamos as visitas.
Quando temos vários filhos, andamos sempre a pedir aos outros que não acordem o bébé, dizemos coisas estúpidas como “se acordam o mano, ficam vocês a tomar conta dele” e habituamo-los a dormir com barulho porque sossego nesta casa é coisa que não há.
Quando o nosso único filho faz um cócó até ao pescoço, ficamos ali concentradas a resolver aquela porcaria, munidas de toalhetes, resguardos e roupa suplente, e nada nos retira dessa tarefa complicada.
Quando o nosso filho mais bébé faz um desses cócós, um dos outros filhos desfraldado há pouco tempo resolve pedir para fazer cócó nesse exacto momento, os outros dois filhos desatam a engalfinhar-se um no outro e só ouvimos choro, berros e sons de estaladas na cara de certeza absoluta, um dos outros filhos parte qualquer coisa na sala ou dá um espalho no chão da cozinha porque andou a lavar o chão com a esfregona ainda húmida.
Quando se tem só um filho no primeiro ciclo, os tpc’s fazem-se conforme o que for mais práctico e tiver sido decidido pela criança, sem espaço para distrações a não ser, talvez, o jantar que está a ser feito ao mesmo tempo.
Quando se tem vários filhos e alguns ainda estão no primeiro ciclo, tentamos que façam os tpc’s ao mesmo tempo para assim fazermos render o tempo, mas com o passar dos dias percebemos que os filhos têm ritmos diferentes, que há sempre um que diz as respostas alto antes do outro terminar o exercício de matemática, que um canta enquanto escreve, que outro chora baba e ranho que não lhe apetece fazer aquilo naquele momento, entretanto o jantar que pensámos em ir adiantando, queima-se ou mesmo que seja com a ajuda de um robô de cozinha, esquecemo-nos de um passo qualquer, experimentamos que façam os tpc em divisões diferentes, mas depois andamos a fazer piscinas entre cada um, porque estão sempre a chamar “o que é que é para fazer aqui?” ou “podes ver se isto está bem?” e no final estamos fartinhos daquilo, pensamos “mas quando é que esta canalha passa a fazer isto sozinhos?” ou “porra, acho que vou mas é dizer ao professor que sou anti-tpc e acabo já com esta vidinha parva”.
Quando se tem só um filho, as compras do mês costumam dar para aquilo que foram feitas, para um mês, um pacote de arroz dá para várias refeições e a frase “não levo isto tão grande que depois passa a validade e vai para o lixo” costuma fazer sentido.
Quando se tem um amontoado de filhos, tudo o que diga embalagem familiar capta a nossa atenção, passamos a vida a ir à mercearia de bairro, porque o pão, as bananas, os iogurtes e o fiambre desaparecem à velocidade da luz, quando fazemos um bolo, mesmo na forma maior, sentimos uma leve frustração, porque estivemos montes de tempo de volta daquilo e agora que vamos finalmente comer uma fatia, já só há umas migalhitas.
Quando temos só um filho, a hora da refeição não é como antes de haver filhos, mas em geral, conseguem comer quase sempre todos ao mesmo tempo, em alguma parte da refeição, mesmo depois de se ter cortado a comida do filho aos bocadinhos.
Quando se tem mais que um filho, temos vários pratos para compôr antes de os chamar para a mesa, um diz que não gosta de cenoura, outro de ervilhas, um não quer tanta carne, o outro torce o nariz ao tomilho gritando “a minha carne tem bichos pretos!!”, os outros ficam logo sugestionados e os adultos tentam acalmá-los, depois há sempre um que entorna o copo para cima das batatas e outro que lhe vem a vontade louca de fazer cócó naquele momento, e quando finalmente os adultos se sentam à mesa para comer, já está tudo frio e os filhos, meio minuto depois, já acabaram e pedem para sair da mesa, e uma pessoa acaba a jantar tudo frio e sozinha numa mesa enorme.
Quando vamos de férias tendo só um filho, fazemos a reserva num quarto normal ou pedimos a cama extra para o mesmo quarto, basta-nos um T1zito para toda a família que se encontra facilmente, dizemos a verdade quanto ao número de filhos quando estamos a ligar para reservar o hotel.
Quando se tem vários filhos para ir de férias, ficamos doentes só de ver os números todos à esquerda do símbolo do euro, depois de termos simulado a reserva para a família toda num hotel, mesmo em época baixa, temos a tentação de mentir quanto ao número de crianças e depois chegados ao hotel logo se vê, pode ser que no quarto caibam todos a dormir na mesma cama, pomos de parte os planos de fazer férias no estrangeiro porque já toda a gente paga bilhete de avião, “porra para isto, estou mesmo a ver que só quando for velhinha e reformada é que vou voltar a sair do país naquelas viagens de grupo organizadas pelo Inatel”, optamos por arranjar uma casa para as férias na praia e lá temos na mesma que andar a cozinhar e a limpar, ou optamos por ir para casa dos avós e chamar a isso “férias tudo incluído”.
Quando se tem só um filho, escolhemos o ATL para as férias escolares de acordo com o preço e o programa, podemos até escolher vários no mesmo mês, e gerimos assim a coisa entre avós, amigos, e férias dos pais.
Quando se tem vários filhos, estremecemos com o aproximar das férias escolares, temos já dinheiro de lado para pagar os ATL’s de todos os filhos que são escolhidos de acordo com o preço e procuramos com ânsia a parte do e-mail que diz “desconto para irmãos”, dizemos mal da nossa vidinha e pensamos que 22 dias de férias é muito pouco, temos pena dos avós e só mandamos o filho mais velho ou o mais novo para não sobrecarregar os velhotes, encolhemos os ombros e tentamos que aproveitem ao máximo as férias bem merecidas.
Quando o nosso filho único está doente, vamos com ele ao médico, sentamo-nos na cadeira do paciente com o filho ao colo, o médico observa e faz perguntas, e nós estamos ali com toda a atenção do mundo para dar as informações fidedignas sobre a última hora a que teve febre, de que cor é o ranho e se tosse com ou sem expectoração, concentrados em apoiar e acalmar o nosso filho doente.
Quando um dos filhos dos nosso amontoado está doente, temos que os levar a todos atrás para o centro de saúde, porque a consulta é logo às nove da manhã e não dá para ir levar uns e depois voltar ainda a tempo da consulta, sentamos o filho doente na cadeira, enquanto sentamos os outros noutra zona com o recado para não fazerem barulho e se portarem bem, viramos costas para ajudar o médico a fazer o diagnóstico e nisto somos interrompidos pelos outros que sobem, descem, e fazem da marquesa um escorrega, fartam-se de fazer perguntas e querem contar a sua vida toda ao médico não o deixando ouvir o que tem para dizer o filho que está efetivamente doente, vão pisar a balança para ver quanto pesam, nós tentamos ignorar para acompanhar o filho doente, e a palhaçada acaba quando a mãe dá um berro aos outros para se sentarem já imediatamente, depois de terem estado a fazer da balança um trampolim, acabando por não ter a certeza se disse tudo ao médico sobre o estado de saúde do filho que tem estado doente.
Quando se tem só um filho, pensamos muitas vezes em ter outro e qual será a altura certa, com que idade será mais fácil para o nosso querido filho passar a ter um irmão. Ou então, estamos bem assim e não pensamos em mais nenhum. Ou gostávamos, mas temos a família longe e trabalhamos por turnos. Respondemos imensas vezes com um sorriso e um “qualquer dia” àquela pergunta habitual “então, para quando outro filho?”.
Quando se tem dois filhos ou um amontoado deles, ficamos em pânico de cada vez que nos esquecemos de tomar a pílula e pensamos que o carro e a casa estão completamente atafulhados de gente e tralha. Apesar de tudo, apesar de sermos mais que as mães, ainda respondemos muitas vezes à pergunta “então, vão ao quarto?”.
Quando se tem um só filho ou um amontoado deles, temos muito em comum: sorrir com o coração a toda a hora, pensar neles todos os minutos do dia e sentir um amor para além do que se julga possível.
E desejar que o pão tenha acabado para ir lá abaixo, ao café, só um bocadinho, sem ninguém atrás…acabando por levar sempre o pão que eles mais gostam.
(versão 2.0 do primeiro artigo)
4 Comentários
Ines
20 Julho, 2018 às 20:59Tal e qual! Só tenho 2 mas revejo-me em tudo o que escreveste!
Um beijinho grande
mamã cereja
31 Julho, 2018 às 14:02Beijinhoooo!
Sandrine
19 Julho, 2018 às 12:21Mais palavras para quê?? Disseste tudinho…;) Tudo isso é também a minha realidade!
mamã cereja
31 Julho, 2018 às 14:02ehehehe