Li este artigo sobre crianças desafiadoras e fiquei a pensar nisto. Será que é assim tão mau ter uma criança desafiadora, que quase nunca faz o que lhe peço, sem primeiro dar a opinião dela e argumentar? Será que é sempre sinónimo de má educação? Ou será que é apenas o reflexo de uma criança que quer ser autónoma, que pensa pela cabeça dela, que tem vontades que nem sempre são descabidas e que, sobretudo, tem a capacidade de argumentar a seu favor? Talvez tenha que ouvir melhor a minha criança desafiadora e aceitar com naturalidade essa sua caracterísitica.
Não quero com isto dizer que lhe faço as vontades todas, mas não será preciso que ela esteja sempre a fazer o que lhe mandam sem questionar nada. Lembro-me bem de, em miúda, não questionar oralmente, mas em pensamento ficar a matutar naquilo, que era injusto estar a fazer o que me mandavam sem perceber porquê ou sem ouvirem os meus argumentos. E ressalvo que não estou a falar apenas dos meus pais, estou também a colocar nesta equação os professores e orientadores.
No meio dos meus pensamentos, lembrei-me das vezes em que os meus filhos me dizem Quero e que eu corrijo para Posso, das vezes em que eles queriam algo que não fazia mal nenhum querer e eu os obriguei a mudar para posso, só porque eu é que mando. E começaram então as minhas dúvidas.
Até que ponto pode ir o Quero e onde é que deve começar o Posso?
As vezes em que disse “não é quero, é posso!”, se calhar fui injusta. Se calhar, na maior parte dessas vezes, não fazia mesmo mal Querer e não era preciso perguntar “Posso?”.
Estão a acompanhar-me? Já tinham pensado nisto? Estarei a criar pessoas reprimidas, que não as deixo ter vontade própria ou ambição, que reprimo os seus desejos, que têm medo de dizer o que querem, de terem sucesso? Estarei a limitar-lhes a capacidade de argumentar a seu favor, de conseguirem atingir os seus objectivos sem terem que prestar obediência cega? Estarei a ferir a sua auto-estima? Pela minha parte, talvez deva rever as situações em que o “Quero” não precisa de ser corrigido para “Posso?” e em que eles consigam naturalmente decidir quando é que devem usar o “Posso?” sem ser eu a impôr essa pergunta. Talvez o respeito e a calma, de ambas as partes, sejam o segredo. Nem todos as vezes o Quero mostra desrespeito, nem o Posso mostra sempre respeito.
Por exemplo, se calhar não faz mal dizer quero aquela saia cor-de-rosa, em vez de posso levar aquela saia cor-de-rosa, quando estamos a escolher a roupa para o dia seguinte?
Se calhar podem dizer hoje quero comer batatas com ovos e atum, porque a todos nós já nos apeteceu uma comida especial num dia qualquer e não precisámos pedir autorização a ninguém para a comer.
Se calhar podem dizer eu quero usar este material para fazer este desenho, ou quero ir para o campo pintar com giz, sem terem que perguntar posso e haver um adulto a condicionar, mesmo que diga sempre que sim, a criatividade do filho.
Talvez não faça mal nenhum dizer quero ir hoje ao parque, pois não é nem um sítio perigoso, nem algo descabido para algumas crianças que passam tanto tempo fechadas nas escolas, ou nunca saem da rotina casa-escola-casa, sabendo elas que quem decide, em última instância, os passeios, são sempre os pais.
Ou até mesmo querer ajudar a descascar cenouras para usar o descascador pela primeira vez.
Se fizer o exercício de encontrar as situações em que o “Posso?” deverá ser logo a primeira escolha, sinto que se relacionam apenas com a possibilidade haver algum perigo físico ou quando envolve algo que seja partilhado por todos, ou que signifique gastos financeiros. Por exemplo, posso descer por aqui em vez de ir dar a volta, posso ser eu agora a usar o iPad, posso ir a casa daquela amiga, ou posso ter aquela prenda de aniversário?
Educar, para mim, é estar em dúvida constante. Umas vezes sinto que acerto, outras sei que fiz asneira. Mas a capacidade de aprender com os erros é o que nos faz ser melhores pessoas, pais, amigos, companheiros.
Sei o que quero para os meus filhos. E sei que quero que eles nunca sintam a injustiça, nem que sejam espezinhados por alguém que apenas tem mais poder do que eles. Sabendo que isso nunca será possível, estou cá para os ajudar a conseguirem mostrar que não faz mal Querer.
(e que temos sempre que pensar pela nossa cabeça 🙂 )
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