Podia escrever uma série de artigos sobre aquilo que é das mulheres e onde as pessoas querem mandar.
“As mamas são minhas” ou a arte de toda a gente dar palpites sobre a amamentação e quererem mandar nas mamas das outras; “A boca é minha” ou a arte de tanta gente dizer a plenos pulmões sobre o que fazia e acontecia e dizia se os seus filhos lhe fizessem uma cena igual; “As mãos são minhas” ou a arte de toda a gente querer meter o bedelho na maneira com fazes as coisas e organizas a tua casa e os teus filhos; “A cabeça é minha” ou a arte de muitos te quererem fazer sentir culpada pelas opções de educação que tomas ou vais tomando ao longa da vida dos teus filhos.
O útero é meu! O meu útero não é da sociedade!
Para se ter ou não ter filhos, é preciso um útero. E os úteros têm dona. E essa pessoa é que sabe o que fazer com o seu útero. Porque isto de ter três filhos, dez, um ou nenhum, é decisão de quem tem um útero (em amena cavaqueira com quem se decidiu a casar, amigar, ajuntar ou amantizar) e assim vai continuar a ser.
Eu que tenho três filhos, sou alvo de várias conversas. Em geral, reajo a todas com um sorriso e uma ou outra piadola. Mas o que me faz espécie, é haver pessoas que não se tocam mesmo e dizem cada alarvidade, sem terem a mais pequena noção do que estão a provocar no outro.
Eu que tenho três filhos, perguntam-me muitas vezes “então, vais ao quarto?”. A minha vontade é responder “o útero é meu! Não há nada de mais interessante para perguntar?”, mas respondo delicadamente “não!”. Podia dizer “não vê que nós já somos mais que as mães?” ou entrar numa onda de humor dos anos setenta “ah, vou ao quarto, à sala, à cozinha, eheheheh” e acabar com uma gargalhada histérica como fazem aquelas pessoas que não têm piada nenhuma, mas que se riem muito das suas próprias graçolas.
Também costumo ter, às vezes, aquela abordagem tenho-tanta-pena-de-ti e antes-a-ti-do-que-a-mim que me deixa assim um bocadinho, digamos, para o enervada, porque eu sei que não durmo uma noite de jeito há seis anos e que ando sempre com um ar esbaforido, que a minha pele e olheiras estão horríveis, que não consigo andar de saltos altos e que não faço nadinha sozinha com o pai da casa há anos, mas que porra, a minha vida não é uma desgraça, pá, a única coisa que eu tenho diferente de outros, é ter três filhos, porque o útero é meu, e, pasme-se, até faço uma vida normal! E se querem saber, às vezes, quando estou só com um dos filhos, tenho muito mais trabalho, porque não há mais ninguém em casa para o entreter e eu é que tenho que fazer tudo. Já viram a sorte que tenho em ter três filhos que se podem ajudar uns aos outros?
Também já passei pela altura em que não tinha filhos e tanta, tanta gente (acho que ainda mais do que agora) me perguntava “então, quando é que vem um bebé?”. O útero é meu!!!!! Acho que faz falta haver um manifesto para mulheres casadas e sem filhos para que as pessoas não lhes façam perguntas sobre o seu útero. Porque aquela mulher pode não estar a conseguir ter filhos, pode naquele dia ter sabido a notícia de que mais uma vez o tratamento deu negativo, pode ter tido uma gravidez ectópica e acabou de saber que fica com as possibilidades de engravidar naturalmente reduzidas, pode ter uma depressão causada pela infertilidade, pode estar apenas à espera de engravidar naturalmente. Ou então tem a clara opção de não querer ter filhos, não tem vontade, não tem interesse, simplesmente não quer, porque o útero é dela!
Só nunca passei por aquela fase de ter só um filho, porque tive logo jackpot à primeira, e ter toda a gente a perguntar “então e quando é que vem o segundo?”. A sério!!! Vão mandar no vosso útero! Eu tenho gémeas, não sei qual é a sensação de ter só um filho, não sei se iria querer ter mais um ou ficar apenas por aquele, não sei, acho que iria depender de muita coisa. Mas muitas vezes, um filho basta, um filho único é tão valioso como ter dois, ou três, ou dez, porque é e será sempre isso, um filho! Sim, nunca será um irmão, mas nunca deixará de ser um filho, com uma mãe cujo útero é seu e um pai que foi o escolhido na opção de ter filhos. Será muito e infinitamente amado, e isso é que interessa!
Apesar de tudo, de haver muitos a meter o bedelho e a dizer coisas inapropriadas, há muita gente a gostar de ouvir as pessoas falarem sobre as suas vidas e opções, e sei que muitas não perguntam por mal, apenas por genuíno interesse. Ainda acredito na capacidade de empatia das pessoas. É por isso que a maior parte das vezes dou um sorriso e respondo qualquer coisinha, em vez de apenas gritar “o útero é meu!”
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