Os meus cinco sentidos mudaram com a maternidade. Sinto que vejo, oiço, saboreio, toco e cheiro de maneira diferente, desde que sou mãe.
Os meus olhos abrangem muito mais coisas, consigo dar atenção a pormenores que antes não veria. Quando observo e olho para os meus filhos, quando os estou a ver a andar pela primeira vez, a descobrirem como se faz um puzzle, a desenharem, a olharem para mim, os meus olhos são como uma máquina fotográfica programada para registar com pormenor aquele momento, para ter o prazer de o recordar com o máximo de precisão. Quando olho para os meus filhos, tento fixar cada covinha na bochecha quando sorriem, cada sinal no corpo, a cor dos olhos, a forma das unhas dos pés, a cor do cabelo, as expressões que fazem e para isso conto com um sentido do olhar bem mais apurado do que antes de ser mãe. Sei, apenas vendo a sua expressão, olhando nos seus olhos, o que estão a sentir, o que me querem dizer, ou o que precisam naquele momento.
As minhas mãos tocam muito mais, sobretudo em mais gente. Sei descrever como é a pele de cada um dos meus filhos, qual o tamanho das mãos, a textura do cabelo, a largura da cintura. As minhas mãos aprenderam a ser termómetro em cada suspeita de febre, pomada milagrosa em cada queda, almofada em cada momento sonolento e são e serão sempre o suporte dos meus filhos na sua caminhada.
A minha língua habituou-se a provar tudo o que aparece. Aprendeu a comer com menos sal, a diversificar mais as refeições, a comparar os restos da comida deles com uma refeição de trufas e vinho tinto, a descobrir que aquele iogurte já não está lá muito bom, a adivinhar o que aquele filho não gosta e porquê, o meu paladar tornou-se num livro de cozinha grosso e variado.
Os meus ouvidos transformaram-se no intercomunicador da maternidade. Quando estou num sítio cheio de crianças, sei de costas viradas que aquela criança a chorar é o meu filho ou que aquela gargalhada é de uma das minhas filhas. À noite, em casa, sei dizer qual dos filhos aí vem para se meter na cama dos pais apenas pelo som dos seus passos. Consigo identificar que brinquedo estão a usar mesmo que esteja a lavar a loiça. Sei de cor muito mais músicas do que antes de ser mãe e os meus ouvidos registam com exactidão todas aquelas conversas, frases, palavras inventadas que os meus filhos dizem.
Mas o cheiro, o olfacto, esse sim foi o sentido que mais mudou desde que sou mãe. Desde o primeiro dia, o primeiro toque, desde aquele momento na maternidade em que um filho veio para os meus braços que a primeira coisa que senti foi o cheiro dele. E desde esse dia nunca mais parei de os cheirar. Nunca. Cheiro o pescoço deles para saber se bolsaram, cheio a fralda para ver se é preciso mudar, cheiro as mãos para ver se estão bem lavadas, cheiro a boca para ver como lavaram tão bem os dentes, cheiro o cabelo para saber se o vomitado o atingiu, cheiro a comida, cheiro os brinquedos, cheiro a almofada, cheiro os bonecos de dormir, cheiro tudo.
E cheiro tanto os meus filhos, com uma inspiração forte e profunda, quase animal, absolutamente visceral, inalo todo aquele cheiro único, doce, reconfortante, todos aqueles aromas diferentes de filho para filho, toda aquela essência que queremos guardar num frasco para o resto da vida. Sei de cor o cheiro de cada um deles, sei qual das duas filhas usou aquela camisola só pelo cheiro, sei que o pescoço cheira diferente da barriga e sei que os meus filhos nunca cheiram mal, mesmo que tenham passado a tarde a correr e a saltar e estejam todos suados, seja quando o xixi saiu da fralda de noite e acordam com a roupa molhada, seja quando vêm cheios de lama e terra por brincarem muito no quintal, seja porque entornaram molho de tomate para cima da camisola.
Cheiro mais e cheiro melhor.
O cheiro dos meus filhos faz-me falta. Faz-me bem. Faz-me sentir mãe.
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