Os pais inscrevem os atletas e no dia da prova, aparecem, felizes e contentes. Cada concorrente nem sabe bem ao que vai, mas os pais sabem que vão competir em várias modalidades.
Modalidade #1 – birras. Classe mista dos 10 aos 25 kg em que os atletas podem usar vários esquemas, desde gritar, atirar-se para o chão, fugir, bater nos pais, atirar com coisas ao chão, chorar compulsivamente, virar-se de costas, dizer repetidamente não, gozar com os pais, fazer cara de mau, cuspir, berrar vezes sem conta “mas eu quero”. Os pais dos atletas irão puxar do que treinaram e tentar todas as estratégias para não deixar o filho levar a sua avante: pôr o atleta de castigo a um canto, chamá-lo à parte e olhar nos olhos dele, suborná-lo com uma ida ao parque ou um gelado, prometer-lhe que o deixa ver o tablet a noite toda, obrigá-lo a pedir desculpa em frente a toda uma multidão, conversar calmamente com ele, mas nunca por nunca ceder. Os treinadores de bancada vão dizer “o meu filho nunca me fez um birra assim”, “havia de ser comigo”, “era só fazer a primeira que via logo o que é bom para a tosse”, “levava logo uma palmada que nem sabia de que terra é que era”, “a mim basta-me só arregalar os olhos para o meu filho saber quem é que manda aqui”. Ganha a equipa que conseguir acabar com a birra mais depressa.
Modalidade #2 – bater nos outros miúdos. Classe mista de vários escalões etários. Os atletas chegam com ar de anjinhos, começam a brincar com os amigos ou com os desconhecidos. Podem provocar outros miúdos ou não, as regras nesta modalidade não existem e é o chamado vale-tudo: pontapés, murros, estaladas, mordidelas, puxões de cabelo, cuspidelas, bufadelas, rasteiras, arranhadelas, beliscões e caras de mau. Os treinadores podem sair do seu perímetro e acabar com a batalha, pôr os miúdos a conversar, obrigar o atleta a pedir desculpa ao outro, arrastar o atleta para um canto e dar-lhe um ralhete, dar também uma palmada ao seu atleta para “ver o que é bom”, fingir que não vê, chamar outro treinador e dizer “olha ali o meu filho a arrochar nos outros todos”, gritar para pararem com aquilo, agarrar nos miúdos todos e tentar dar uma de amiguinho, abraçar o atleta que está a distribuir murros para ver se fica contaminado com boas energias. Ganha a equipa cujo atleta não voltar a bater nos outros.
Modalidade #3 – comer em restaurantes. As equipas chegam e escolhem uma mesa. Tentam escolher uma que não tenha casais de namorados ao lado para não os importunar ou gente com ar de mal-disposta porque não vão achar piada nenhuma a crianças na mesa ao lado, uma mesa com espaço à volta para o caso dos atletas quererem passar a vida a saltar de lugar, uma mesa perto da casa-de-banho porque atleta que é atleta nunca tem xixi quando chega, mas está aflitinho assim que o bife vem para a mesa, uma mesa próxima de outra equipa com atletas da mesma idade porque vão entender o que se passa na deles. Os treinadores de bancada vão dizer que “se fossem meus filhos, ficavam o tempo todo sentadinhos à mesa e só se levantavam quando TODA a gente acabasse de comer”, “no meu tempo, ficava ali quietinho e nem um pio dava”, “mania esta de os pais irem a restaurantes com os filhos”, “não sabem dar-lhes a merda do telemóvel para os putos ficarem quietos”. Ganha a equipa que conseguir voltar ao mesmo restaurante sem ter o dono a bufar quando chegam à porta
Modalidade #4 – ir ao hipermercado. As equipas escolhem um carrinho e começam o percurso, numa espécie de “grocery cart-paper”, munidos de lista e tempo limite para encherem o carrinho com tudo o que precisam. Os atletas começam por ir dentro do carrinho, sentados na zona específica para isso. À chegada gritam “mamã, olha a nancy que nada com golfinhos” que está mesmo à entrada no hipermercado. A treinadora esqueceu-se que aquela é a semana da feira dos brinquedos e tem que dar a volta toda àquilo, mostrando a mesma felicidade que os atletas, mas repetindo exaustivamente “hoje não viemos cá para isso, depois quando fizeres anos voltamos cá”. A treinadora vai enchendo o carrinho com as compras e os atletas vão ajudando a colocar tudo em ordem dentro do carrinho. A treinadora marca como objectivo para a prova que a última coisa a ir buscar é o ovo de chocolate e os atletas colaboram na prova. Tudo corre bem até ao momento em que os atletas pedem para sair do carrinho. A treinadora avisa que estão quase a perder a prova se não se despacham com o que falta, os atletas colaboram, mas um deles deixa cair uma caixa de morangos no chão e a treinadora cora de vergonha, ao mesmo tempo que agarra com força na mão do atleta e diz entre dentes “nem penses em voltar a deixar cair mais alguma coisa no chão” e “se te continuas a portar assim não há ovinho coisa nenhuma”. Aproximam-se da meta e a treinadora consegue que os atletas colaborem a pôr as comprar no tapete, paga e sai vitoriosa de mais uma prova. Os treinadores de bancada em geral estão ocupados a ver as promoções e não costumam dizer nada.
Modalidade #5 – a alimentação. Esta prova tem várias etapas. A primeira começa desde o nascimento até aos 6 meses, os concorrentes dividem-se entre os de leite materno e os do leite adaptado, as treinadoras defendem com unhas e dentes e sua opção e algumas olham com desdém para as que não tomam a sua opção de amamentar. Os atletas nesta etapa não têm grande esforço e ganham ambas as equipas. A partir dos 6 meses até ao ano, começa a etapa de “introdução dos alimentos sólidos” em que as treinadores competem pelo maior número de alimentos introduzidos, cada treinadora quase que é especialista em nutrição, leu vários livros e blogs e tutoriais e o diabo a quatro na internet sobre alimentação infantil, tem teorias sobre mistura de alimentos, congelação dos mesmos, descongelação, aquecimento e confecção. Outras treinadoras dão alimentos aos pedaços desde cedo, porque também leram umas teorias, mas querem é despachar e pôr o atleta a comer da panela como o resto da família. Os atletas já conseguem fazer a prova, mas muitas vezes sem grande consciência daquilo em que estão metidos. A etapa seguinte a partir do 1º ano divide-se entre os atletas que comem bem, os que não gostam disto ou daquilo, mas que até comem bem, os que são uns piscos e levam as treinadoras ao desespero que tentam várias receitas para pôr os putos a comer, os que nunca provaram doces e os que já comeram, pelo menos, o bolo do primeiro aniversário. Esta etapa é ganha pelas equipas que conseguirem ter a alimentação mais equilibrada sem tornar as refeições um momento desesperante. Os treinadores de bancada dirão “ o meu filho bebeu leitinho da maminha até ir para a pré-escola e nunca esteve doente”, “a minha mãe nunca me fez as vontades para comer”, “os meus filhos só comem o segundo se comerem a sopa todinha e até raparem o prato”, “o meu filho não sabe o que é uma goma”, “a comida preferida do meu filho são couves ou peixe cozido com batata ou pão sem nada”.
Modalidade #6…(to be continued)
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