Uma amiga perdeu a mãe ontem. Essa amiga tem uma irmã em Itália. Além de lamentar a perda das irmãs, fica um nó no estômago por esta perda ter ocorrido num tempo de pandemia e de emergência nacional. Aqui. E em Itália. Nem a minha amiga pode fazer um funeral condigno à sua mãe aqui em Portugal, nem a irmã da minha amiga pode vir de Itália abraçar os irmãos e velar a mãe.
Este tristíssimo facto, apesar de não ser comigo, deixou-me ontem muito transtornada. É representativo do estado actual do mundo. Tenho muita pena da minha amiga.
Gostava de poder dizer “vamos todos ficar bem”. Mas eu não sei se vamos mesmo todos ficar vem.
Durante o dia até à hora de jantar, entre o meu trabalho, as atividades das escolas, as comidas, as lavagens de loiça, o passeio da cadela, os momentos de sofá, as telechamadas com os amigos, ando entretida. Não penso muito para além da meia hora seguinte. Não tenho horários e boleias para gerir. Durante o dia, vejo notícias apenas uma vez, fico preocupada, alarmada, pensativa, mas depressa me passa entre um e-mail que chega ou um qualquer pedido dos meus filhos.
Mas é à noite, no silêncio da noite, que a cabeça pensa, que as notícias são processadas, que me lembro dos amigos que não podem ficar em casa porque têm a nobre missão de estar na linha da frente, dos que correm riscos imensos todos os dias para ir trabalhar, incluindo o pai da casa, que me lembro da minha mãe sozinha e longe de nós, que me lembro dos amigos com empresas a viver na incerteza de poder pagar salários aos funcionários, dos amigos que têm os pais em lares, dos que vivem em espanha ou itália ou reino unido ou por esse mundo fora.
É no silêncio da noite que procuro formas de conseguir responder às perguntas dos miúdos sobre o futuro. Tento ser racional. Mas é muito difícil. Tenho obrigação de lhes transmitir esperança e de não os deixar carregar nos ombros este peso de vivermos uma pandemia. Eles irão recordar-se, mas para já apenas têm que se encarregar de deitar à hora que a mãe manda, fazer algumas das atividades que a professora manda, serem amigos de todos os que vivem na mesma casa, não darem cabo de toda a comida do frigorífico e da despensa em meio dia, respeitarem o espaço de cada um e brincar muito.
Nesta balança de sentimentos entre a esperança e o medo, às vezes, o medo pesa mais. Por mais que tente, o medo pesa mais. Eu queria mesmo muito acreditar que vamos ficar todos bem. Mas algo me diz que não vamos ficar todos bem. Alguns vão morrer, outros vão perder familiares, alguns vão perder empregos, outros vão fazer contas à vida, alguns vão ter esgotamentos, outros vão andar desnorteados, alguns vão tentar e não conseguir, outros nem vão tentar.
Mas há uma coisa que isto tudo nos prova: uma doença destas não escolhe género, idade, raça, saldo da conta bancária, profissão, cor dos olhos, marca de roupa, cilindrada do carro, escolaridade, cor política, clube de futebol ou hábitos de vida. E também nos prova que, ficar em casa, o altruísmo e o amor são as únicas mezinhas caseiras para ajudarmos a combater esta pandemia.
Depois disto, quando tudo-isto-que-quase-parece-um-filme passar, quando sairmos desta hibernação forçada, o mundo não estará igual. E espero que as pessoas também não estejam iguais. Dizemos agora que vamos sair mais unidos, mais conscientes de que o tempo em família é um bem precioso, mais motivados a fazer renascer a economia, mais respeitosos dos profissionais de saúde e segurança, trabalhadores de supermercado, distribuidores, farmacêuticos, e tantos outros. Espero mesmo que sim. Quero mesmo que sim, estou mesmo a torcer para que sim, para que o tal arco-íris venha colorir o futuro.
Eu sei que tenho que escolher o optimismo e a esperança. Eu sei.
Mas para já, e não digam nada aos meus filhos, estou com medo.
2 Comentários
Sónia Marta Cavaleiro de Lemos Narciso
25 Março, 2020 às 13:34Os verdadeiros corajosos também sentem medo, aceitam-no, choram e levantam-se outra vez. É certo que alguns vão ficar pelo caminho… um dia de cada vez e escolhe viver cada dia no amor e muita luz! Muita luz para todos
mamã cereja
25 Março, 2020 às 13:56Muita luz minha querida!