…e eu fiz de conta que não a ouvi.
A casa atirava-me à cara que já era o terceiro dia de um fim-de-semana prolongado e eu sem lhe ligar nenhuma. Tentava convencer-me com pó nos móveis, pêlos da cadela nos cantos, roupa para passar e dobrar, brinquedos espalhados, garrafas vazias para levar para a reciclagem, camas por fazer.
A casa sussurrava-me ao ouvido que eu tinha prometido destralhar o sótão, arrumar a garagem, arrumar as roupas de inverno, seleccionar brinquedos para dar, limpar as paredes do quarto.
A casa revirou os olhos e juro que a ouvi fazer “tssst” quando cheguei a casa, depois de ter ido passear com as miúdas no sábado à tarde. Quase que afirmo que a ouvi chamar-me galdéria e que esteve a fazer queixinhas, à casa do lado, sobre mim.
A casa foi tentando tudo por tudo para me chamar a atenção. Cada vez com mais desordem, com roupa a acumular nos cestos, loiça para lavar, migalhas por todo o lado, bocados de plasticina agarrados ao sofá.
Ela fez trinta por uma linha para me obrigar a servi-la.
Eu fiz-lhe orelhas moucas. Disse-lhe “já vai” e depois não fui. Virei costas e fiz vista grossa a tudo o que ela tentou engendrar, durante este fim-de-semana prolongado.
No final do terceiro dia, decidi ter uma conversinha de pé de orelha com a minha casa. Olhos nos olhos, perguntei—lhe o que tinha contra mim. Convidei-a a relaxar e a observar as pessoas que nela vivem. Disse-lhe que não valia a pena estar ali a esforçar-se por aumentar o caos, porque eu tinha decidido viver a minha família e não a minha casa. Que ela não se podia queixar assim tanto, que às vezes era bem tratada, que tinha vida e alegria dentro dela, e que muitas casas amigas dela não tinham crianças e cães a aproveitá-la. Sugeri-lhe que da próxima vez sentisse o cheiro a bolo de chocolate, inspirasse o aroma das flores do campo, admirasse os desenhos que os meninos fizeram, risse com as histórias contadas e se sentisse feliz.
Ela acabou por reconhecer que até sentiu uma certa inveja de mim, que consegui estar feliz com a minha família sem estar subjugada à lida da casa. Combinámos que não me vou esquecer dela, mas que, em primeiro lugar, estaremos sempre a minha família e eu.
Ela aceitou.
2 Comentários
eduardamaialopes
2 Maio, 2017 às 15:11Opá como te entendo, agora convivo com cotão no chão, com roupa por todo lado, com uma anarquia completa e por incrível que pareça já não ligo nenhum <3 ;-)!
mamã cereja
2 Maio, 2017 às 16:46É um processo, mas eu já desisti há muito de passar um dia do fim-de-semana a limpar…acabou-se! (vou limpando aos poucos, um bocadinho de cada vez, é menos cansativo…tenho que escrever um artigo sobre limpar a casa com crianças)